Pedro Schmidt de Oliveira
Na mitologia nórdica Ragnarök é o nome dado aos eventos que desencadeiam o fim do mundo. Um dos episódios do Ragnarök é a batalha final em que deuses e guerreiros mortos em combate lutam lado a lado até que o mundo seja submerso por uma grande inundação e possa ser novamente povoado, reiniciando assim o curso cíclico da história. Enquanto aguardam pelo inevitável e derradeiro combate, as divindades e humanos caídos em contenda vivem empanturrando-se de vinho e treinando seus golpes fatais em um palácio gigante de teto dourado chamado Valhalla. Não coincidentemente, Valhalla é também o nome do novo single do Container Blue. Com audível influência do viking metal dos anos oitenta, Valhalla expande a dinâmica de calmaria e distorção do grupo, criando um clima único que se propõe a transportar o ouvinte direto para a morada dos deuses, onde o vinho é a música e o treino é a diversão. A introdução, distorcida e grave, estende e sustenta as notas iniciais de uma maneira tão sinistra quanto proposta por Wagner na Cavalgada das Valquirias e assim como no drama épico alemão este prefácio sinaliza a levada dos einherjar (guerreiros mortos em combate) ao Valhalla pelas valquírias, figura feminina mitológica que serve aos deuses e aos mortais dignos de habitar a casa de Odin. O corpo da canção, dividido entre arpejos melodiosos e riffs potentes, representa a dualidade da vida em tal palácio separada entre os banquetes épicos regados a vinho e hidromel e as práticas e golpes furiosos em preparação para a luta final. O dedilhado que serve de base para a letra apresenta um acompanhamento de teclado intermitente que sintetiza um órgão suave, deixando que a bateria preencha os espaços do grave enquanto a constante presença dos pratos e chimbal dão um clima de jazz a toda passagem. Em sua segunda parte o vocal é introduzido por um teclado manzarekiano que tem como único ponto fraco não estar mais presente na canção. Já o refrão sem voz é marcado por licks destorcidos já característicos do Container Blue que trazem o peso e a atitude necessários a uma peça de rock n roll que se propõe a entreter e divertir sem deixar de perder a qualidade de produção. Produção esta que sobrepõe a saída de guitarra com um solo magnificamente setentista. A letra, que trata de tempo, paciência e aprendizado, serve como meditação précombate. O passar do tempo que tende a nos amargurar e contradizer tudo que acreditávamos ser indispensável para mudar o mundo, acaba por nos transformar em seres mesquinhos e desgostosos com o destino. Porém, se aprendermos a compreender o que nos lastima e tivermos paciência para lidar com o caos de nossos pensamentos pueris, podemos assumir uma postura mais sensata perante o mundo, mudando o que é possível e ignorando o que nos causa ansiedade. Alcançar a maturidade é saber escolher as batalhas. O Valhalla do Container Blue acolhe todos aqueles que quedaram na luta contra o tempo e se preparam para o combate final com muito rock n roll, diversão e a sapiência de que estar entre deuses não é o fim, mas pode ser o início de algo prazeroso, atordoante e inesquecível.
14/10/2021
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