Há quem fuja da maturidade de qualquer maneira possível, negando o passar do tempo e não se permitindo aceitar que devemos renunciar ao que nos impede de ver que à outra face da idade existe uma sabedoria e uma argúcia que só nos são apresentadas quando conhecemos o caminho sem volta do equilíbrio. Por outro lado, existem também aqueles que abraçam a maturidade de maneira tão antecipada e voraz que envelhecem cedo demais e perdem completamente a conexão com tudo que há de mais proveitoso e agradável na jovialidade verdolenga dos frutos da despreocupação. Para a felicidade de todos aqueles que apreciam a tênue e elusiva faixa entre a eterna criancice e a velhice precipitada, existe o Container Blue e seu novo single, Dois Mundos. No mais recente lançamento a banda mistura briosamente a maturidade de quem não chegou ontem na estrada e tem total destreza para conduzir uma melodia sem a urgência presunçosa da juventude com o entusiasmo característico de quem não se deixou abalar pelos percalços da trilha e mantém a mesma empolgação para o minimalismo que tanto representa a música franca e objetiva que já virou marca indelével do duo, provando que uma linha melódica não depende de um arranjo exageradamente complicado para brilhar e consegue por si só conduzir uma canção tão simples quanto inspirada. E, por que não, inspiradora! Sem tirar o pé do rock alternativo, mas desta vez bebendo de outras fontes, Dois Mundos troca a guitarra distorcida do blues elétrico pelas teclas melódicas da psicodelia minimalista com a naturalidade de quem sabe o que quer, sabe como conseguir e não deve nada a ninguém, levando a melodia com calma e leveza, sabendo que o que importa não é quando chegar, mas como aproveitar a viagem ao máximo. O groove de bateria que introduz a canção serve de base até o fim e se mantém como o coração pulsante e enérgico que não deixa a faixa cair nas armadilhas do que pode ser o pop conduzido por teclados e confere um tom setentista à trilha, o que acentua ainda mais a força da música. Por sua vez, o teclado não tem pudor de criar uma melodia facilmente memorável e eufônica cuja cadência preguiçosa nos compele a mirar o céu iluminado de uma noite sem nuvens e deixar que nossos problemas sejam engolidos pela imensidão do cosmo. A letra reflete visceralmente a dicotomia da canção no repertório da banda ao expor as duas realidades em que habitamos, tendo sempre que optar por uma sabendo que, seja qual for a escolha, ela nunca será tão acertada quanto a dúvida de que o caminho não tomado sempre parecerá mais belo, pois não traz consigo o peso da realidade. E em meio à incerteza que não pode ser quebrada por ninguém além de nós mesmos, surgem outras variantes como medo e orgulho que apenas fazem somar à voracidade angustiante da indecisão. Toda escolha traz uma conseqüência e cada conseqüência, um novo mundo de ansiedade e tortura. Só nos resta tomar como exemplo o Container Blue e navegar com o propósito e a determinação que só têm quem sabe exatamente onde quer chegar e tem o senso de direção necessário para trafegar entre os dois mundos, sejam eles o da maturidade, o da jovialidade, o do comedimento ou o da diversão, desde que no fim todas as viagens valham a pena.
Pedro Schmidt de Oliveira - 14/03/21
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