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Foto do escritorContainer Blue

Falantes - Uma máquina do tempo perdido

Atualizado: 17 de jun. de 2021


Pedro Schmidt de Oliveira

Nos volumes de Em Busca Do Tempo Perdido, Marcel Proust descreve a memória

involuntária, entre outras formas, quando come um pedaço de biscoito molhado no chá e o

paladar o transporta vividamente à infância em uma mistura inexplicável de sensações etéreas

e conforto abstrato que por um único momento, estendido pela percepção de durar toda a vida,

o faz esquecer o agora e mergulhar em um passado que a edição seletiva da memória

apresenta como inefável e excelso.

Não diferente das madeleines de Proust, certas canções nos remetem a momentos que

há muito se perderam no emaranhado de vivências e preocupações cotidianas que trazemos

na memória e que, por mais que tenham sido corriqueiras à época, surgem despidas de fatos e

adjacências, nos deixando apenas com o sentimento de que nenhum instante daquele cenário

evocado foi menos que perfeito. Falantes, single de estreia da banda Container Blue, faz

magistralmente este traslado para um final de adolescência que beirava o fim do século e tinha

suas típicas dúvidas, angústias e frustrações soterradas por cerveja fria, ambientes insalubres

e bandas muito mais cruas e transgressoras que as que se ouvia nas estéreis programações

das rádios comerciais ou que se tinha acesso em uma era pré-banda larga.

O riff que guia a canção usa de elementos do southern rock setentista e grooves de

guitarra saídos do funk primordial para criar um blues rock conectado ao som de uma época

em que indie não era o nome de um estilo de música comercial e grupos de rock optavam por

ser independentes, o que lhes dava mais espaço para autonomia e criatividade, conceito este

que define perfeitamente o arranjo referente ao revival do rock de garagem minimalista sem

perder o cuidado na produção. É desta combinação entre a malandragem do groove e o

comedimento da distorção que vem a força de Falantes, uma música que faz gingado e

bate-cabeça conviverem em harmonia sob a sempre presente aura acolhedora do blues.

Mas se o ritmo convida à harmonia aqueles que querem dançar e aqueles que só

querem ficar no canto da pista com uma long neck na mão, a letra não é assim tão irrestrita.

Em uma mensagem clara e sincera, o vocalista repele qualquer aproximação inoportuna de

quem pretenda destilar rancores e fofocas enquanto almeja a paz de espírito trazida pelo

passar nem sempre suave do tempo, discurso urgentemente atual em tempos marcados por

uma exponencial necessidade de serenidade e serotonina. Não é imperativo somente ignorar

os falantes e desprezar seus discursos desgostosos, mas também buscar a liberdade

ensolarada em se isolar de quem não respeita o passar do seu tempo.

Por fim deveríamos todos fazer como Proust e seus biscoitos e nos deixar carregar para

uma época em que que nada importava além do bar escuro e enfumaçado em que a banda

tocava sem se importar com o que a moda radiofônica impunha, um tempo em que a diversão

era garantida e ódio e rancor eram palavras ausentes do vocabulário de quem só queria uma

noite de diversão ao som visceral de guitarras e baterias, uma era alcançável através do blues

elétrico de Falantes.

11/01/21


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